segunda-feira, 14 de maio de 2012

"Ele simplesmente continuou com o jeito alegre dele."


Fonte: Folha de S.Paulo, 14/05/12, Caderno The New York Times
ESTILO DE VIDA VERDE
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*Um reduto hippie na mira da lei*
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Colônias de vermes para compostagem violam leis locais
* POR PATRICIA LEIGH BROWN
*LAGUNITAS, Califórnia* - Para chegar à propriedade de David Lee Hoffman,
vire à direita na torre do sino e cruze o fosso. Suba a escada de tijolos
até o Palácio dos Vermes e a deslumbrante vista da Torre do Chuveiro a
Energia Solar.

Não tem como errar.
Há 40 anos, Hoffman, 67, especialista em raras folhas de chá envelhecidas,
constrói um imóvel de inspiração sino-tibetana num morro íngreme deste
bastião hippie no oeste do condado Marin, onde a principal loja vende
roupas "feitas com paz e amor".

Mas agora a vida sustentável de Hoffman está em atrito com as autoridades
do condado, por causa de alvarás cuja exigência ele repetidamente ignora. O
caso, nas mãos de um juiz administrativo estadual, divide seus vizinhos.
O condado não está nada satisfeito com as cerca de 30 estruturas que ele
construiu ao longo dos anos. A principal preocupação é com a
vermicompostagem, em que colônias de vermes transformam dejetos em húmus. A
água do chuveiro e da cozinha flui para o fosso superior, junto com os
restos de comida digeridos no Taj Mahal dos vermes. A "água cinza"
resultante disso passa por filtros antes de ser canalizada para o jardim,
onde alimenta batatas, verduras e legumes diversos.

Hoffman e sua mulher, Ratchanee Chaikamwung, uma tailandesa conhecida como
Bee, lavam a louça com cascas de ostras e cinzas de madeira. Em vez de
privada, usam recipientes com um sistema de compostagem com vermes.
Latrinas com compostagem são proibidas no condado Marin.

A possibilidade de os fossos transbordarem para um riacho nos arredores é
outra preocupação. "Avisamos muitas vezes ao David sobre solicitar alvarás
de construção", disse Debbi Poiani, chefe de fiscalização do condado. "Ele 
simplesmente continuou com o jeito alegre dele."

A procura de Hoffman por produtores artesanais de chá na China foi tema de
um documentário de 2007, "All in This Tea", de Les Blank e Gina Leibrecht.
Incluindo uma adega para envelhecer folhas e uma casa de chá, o complexo de
Hoffman, que ele chama de Last Resort ("último recurso" ou "último
refúgio"), é meio reino himalaico, meio ferro-velho.

"Eu quis mostrar que há maneiras não poluentes distintas para viver no
planeta", explicou Hoffman. O condado não se convenceu e entregou ao casal
um aviso para "cessar a ocupação" até que um sistema séptico aprovado seja
instalado, e que os edifícios, muros e fossos sejam adequados ao código
urbano. Hoffman também enfrenta US$ 200 mil em multas por construir sem
alvará e por manter em funcionamento a Phoenix Collection, seu mais novo
negócio no setor de chás.

Mas ele tem simpatizantes. Em carta ao condado, um vizinho argumentou que
Hoffman "ajuda a colocar Marin no mapa como um lugar de criatividade e
originalidade ímpares".

Hoffman recusou-se a lutar na Guerra do Vietnã por razões de consciência.
Passou um ano mochilando pela Ásia até se radicar em Marin, em 1973. Antes
do chá, inventou um processo para limpar tecidos antigos com vibrações
sonoras.

Para construir o telhado da casa de chá, Hoffman recrutou ex-artistas do
Cirque du Soleil. "Eu fiz o que senti que era certo", afirmou ele sobre sua
criação. "Meu amor pelo planeta é maior do que o meu medo da lei."