Recebi numa lista de emails do colega Cristiano Castilho
“Desde quando o desemprego é um problema?”
Fonte: http://blogs.estadao.com.br/
Por Douglas Rushkoff
O escritor Douglas Rushkoff defende que a tecnologia deve nos
libertar do fantasma do emprego, um conceito relativamente novo, mas
visto como imutável pelo mundo atual
O serviço de correio dos Estados Unidos parece ser a mais recente
baixa na lenta – mas consistente – substituição de mão de obra humana
por tecnologia digital.
A menos que apareça uma fonte de financiamento externo, o serviço
postal terá de reduzir drasticamente suas operações ou simplesmente
encerrar suas atividades. Isso significaria 600 mil desempregados e
outros 480 mil pensionistas enfrentando um ajuste nos termos.
Podemos culpar a direita de tentar solapar o trabalho ou a esquerda
de tentar preservar sindicatos em face dos cortes de governo e
corporações.
Mas o verdadeiro culpado – ao menos no caso do correio – é o e-mail.
As pessoas estão enviando 22% menos peças postais do que quatro anos
atrás. Estão deixando de lado envelopes e selos e dando preferência para
o pagamentos de conta eletrônicos e outros meios de comunicação
permitidos pela internet.
As novas tecnologias estão causando grandes estragos nas cifras de
emprego – dos sistemas de cobrança eletrônica de pedágio a automóveis
sem motoristas controlados pelo Google, que tornam os taxistas
obsoletos.
Cada novo programa de computador está basicamente fazendo alguma
tarefa que antes era o trabalho de uma ou mais pessoas. Com o agravante
de que o computador, em geral, faz isso com maior rapidez, maior
precisão, por menos dinheiro e sem nenhum custo de assistência médica.
Gostamos de acreditar que a resposta apropriada é treinar as pessoas
para trabalhos de níveis mais elevados. Em vez de coletar pedágios, o
trabalhador treinado ajustará e programará robôs coletores de pedágio.
Mas as coisas não funcionam realmente assim, já que não são necessárias
tantas pessoas quanto as que os robôs substituem.
E aí o presidente Obama vai à televisão nos dizer que a grande
questão de nosso tempo é empregos, empregos, empregos – como se a razão
para construir ferrovias de alta velocidade e consertar pontes fosse
recolocar pessoas no mercado de trabalho. Vejo algo de retrógrado nessa
lógica. E me pergunto se não estaremos aceitando uma premissa que
merecia ser questionada.
Temo até fazer essa pergunta, mas desde quando o desemprego é um
problema de fato? Entendo que todos queremos pagamentos – ou ao menos
dinheiro. Queremos comida, moradia, roupas e tudo que o dinheiro compra.
Mas será que todos queremos realmente empregos?
Estamos vivendo em uma economia na qual o objetivo não é mais a
produtividade, mas o emprego. Isso porque, em um nível muito
fundamental, temos quase tudo de que precisamos.
Os Estados Unidos são tão produtivos que poderiam provavelmente
abrigar, alimentar, educar e até prover assistência médica para toda sua
população com apenas uma fração de nós realmente trabalhando.
Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação (FAO), é produzido alimento suficiente para prover todas as
pessoas do mundo com 2.720 quilocalorias por pessoa por dia. E isso
mesmo depois de os EUA se desfazerem de milhares de toneladas de
colheitas e laticínios só para manter altos os preços do mercado.
Enquanto isso, bancos americanos sobrecarregados de propriedades
reavidas por execução hipotecária estão demolindo casas vazias para
retirá-las de seus livros.
Nosso problema não é que não temos o suficiente – e sim que não temos
maneiras suficientes para as pessoas trabalharem e provarem que merecem
o que querem.
O emprego, enquanto tal, é um conceito relativamente novo. As pessoas
podem ter sempre trabalhado, mas até o advento da corporação, nos
princípios da Renascença, a maioria delas simplesmente trabalhava para
si.
As pessoas faziam sapatos, criavam galinhas ou criavam valor de alguma forma para outras pessoas, que depois trocavam, ou pagavam por esses bens e serviços. Até o fim da Idade Média, a maior parte da população da Europa prosperava assim.
Os únicos que perdiam riqueza eram os membros da aristocracia que
dependiam de seus títulos para extrair dinheiro dos que trabalhavam. E
foi assim que eles inventaram o monopólio constituído.
Por lei, as pequenas empresas na maioria das principais indústrias
foram fechadas e as pessoas tiveram que trabalhar para corporações
oficialmente autorizadas. Dali em diante, para a maioria de nós,
trabalhar veio a significar obter um “emprego”.
A Era Industrial significou, em grande medida, tornar esses empregos o mais subalternos e menos especializados possível.
Tecnologias como a linha de montagem foram menos importantes para
acelerar a produção do que para torná-la mais barata – e tornar os
trabalhadores mais substituíveis. Agora que vivemos na era digital,
estamos usando a tecnologia da mesma maneira: para aumentar a
eficiência, demitir mais gente e aumentar os lucros corporativos.
Embora isso seja certamente ruim para trabalhadores e sindicatos,
devo considerar: até que ponto é realmente ruim para as pessoas? Afinal,
não é essa a razão de toda aquela tecnologia?
A pergunta que precisamos começar a nos fazer não é como empregar todas as pessoas que são tornadas obsoletas pela tecnologia, mas como podemos organizar uma sociedade em torno de outra coisa que não o emprego.
A pergunta que precisamos começar a nos fazer não é como empregar todas as pessoas que são tornadas obsoletas pela tecnologia, mas como podemos organizar uma sociedade em torno de outra coisa que não o emprego.
Poderia o espírito de empresa que atualmente associamos a “carreira”
ser deslocado para algo mais cooperativo, mais intencional e
significativo?
Em vez disso, tentamos usar a lógica de mercado escasso para negociar
coisas que são realmente abundantes. O que nos falta não é emprego, mas
uma maneira de distribuir justamente a abundância que geramos com
nossas tecnologias, e uma maneira de criar significado num mundo que
produz coisas demais.
A resposta comunista para essa questão era apenas distribuir tudo
equitativamente. Mas isso solapou a motivação e nunca funcionou como
diziam. A resposta oposta, libertária (e o caminho para a qual parecemos
estar indo hoje) seria deixar os que não conseguem capitalizar a
abundância simplesmente sofrerem. Cortar os serviços sociais junto de
seus empregos e esperar que eles desapareçam ao longe.
Outra via. Mas ainda poderia haver uma outra
possibilidade – algo que realmente não poderíamos imaginar para nós até a
era digital. Como um pioneiro da realidade virtual, o músico e
cientista da computação Jaron Lanier, assinalou recentemente que não
precisamos mais de coisas para ganhar dinheiro. Podemos trocar produtos
baseados em informação.
Começamos aceitando que comida e moradia são direitos humanos
básicos. O trabalho que fazemos – o valor que criamos – é para o resto
do que queremos: todas as coisas que tornam a vida divertida.
Esse tipo de trabalho não é tanto emprego quanto atividade criativa.
Diferentemente do emprego na Era Industrial, a produção digital pode ser
feita em casa, de forma independente, e mesmo em trocas de par para par
sem passar pelas grandes corporações.
Podemos fazer jogos uns para os outros, escrever livros, resolver
problemas, educar e nos inspirar mutuamente – tudo em bits em vez de
coisas. E podemos nos pagar mutuamente usando o mesmo dinheiro que
usamos para comprar coisas reais.
Por enquanto, no momento em que enfrentamos o que parece ser uma
crise econômica global destruindo alimentos e demolindo casas,
poderíamos parar de pensar em empregos como o principal aspecto de
nossas vidas que queremos salvar.
Eles podem ser um meio, mas não são os fins.
DOUGLAS RUSHKOFF é teórico de mídia e autor de vários livros. Program or Be Programmed: Ten Commands for a Digital Age é o mais recente deles
TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
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